Um ritual típico de começo de ano é estabelecer metas. É uma maneira de organizar anseios e deveres. É um rascunho de como queremos passar o ano. Quase sempre isso muda pelo caminho, e isso pode ser uma grata surpresa. Uma de nós, por exemplo, queria fazer um podcast, mas acabou virando ministra de Estado e deixará de publicar nessa FOLGA. (Arrasa no ministério, Anielle Franco. Te amamos!)
Mas ter essas pequenas metas escritas num papel parecem nos ajudar a por alguma ordem no caos (por exemplo, o caos que nos engoliu no ano de janeiro). Por isso, fomos atrás de sugestões de metas para 2023. E achamos várias. Muitas que são uma fábrica de gerar culpa, mas disfarçadas de maternidade saudável.
Tipo essa publicação da Positive Parenting Solutions com oito dicas para mães. São elas: ter tempo de qualidade com os filhos (e quem não quer?); usar menos redes sociais (para se atualizar do BBB pode?); definir encontros familiares semanais ou mensais (depende. De que família vocês tão falando?); criar um diário com seu filho/a/e (mas se rolar 24h de rotina comprida já tô de parabéns, né?); dar tarefas diárias para as crias aprenderem o valor do trabalho (pode pedir pro pai dar?); implementar uma noite familiar (aquela em que a gente vê pela 9ª vez o mesmo filme); e gritar menos (essa dica é um sinal de que estamos todas desesperadas?).
Tranquilo né? Quem sabe também eles não possam sugerir: dormir melhor, mas também acordar 5h da manhã pra correr e ser mais saudável na hora de oferecer alimento aos filhos enquanto planta bananeira com um braço só?
Lemos vários desses sites com "metas para mães em 2023" e achamos que todos pareciam metas com positividade tóxica. Inclusive uma das nossas metas é achar outra palavra para definição de tóxica. Decidimos, então, dar nossas próprias sugestões de metas para 2023 para você, leitora do Folga, mulher moderna, mãe possível se inspirar - ou não.
1. Gostamos da meta de "não gritar". Grita no travesseiro, grita dentro da sua cabeça, junte-se a um grupo de mães que gritam no parque, mas gritar com os outros - seja família, parceiro/a/e ou filho/a/e é cafonérrimo (mas se rolar tá tudo bem, a gente também grita. Se perdoe e leva pra terapia).
2. Terapia. Nunca é demais lembrar. Mas sabemos que é um privilégio conseguir fazer um tratamento de saúde mental. Então fica como meta pressionar, questionar e pedir por saúde mental gratuita e disponível para todes.
3. Vamos repensar como estamos criando nossos filhos? Queremos mais um arrombado no mundo? Não! Por isso faça um check list aí pra ver se a criança tá conseguindo expressar os sentimentos adequadamente, se está sendo legal com os colegas, se sabe compartilhar, acolher o próximo, respeitar as amiguinhas…. Meta de vida: não seja você a mãe de um boy lixo.
4. Vamos faxinar a lista de relações? A relação que você tá te deixa insegura e confusa? Tchau. A amiga/o/e é legal contigo mas escroto/a/e com todo mundo? Aviso prévio. Não mudou? Tchau. Primo ainda bolsonarista depois de 8/1? Adeus. Etc, etc.
5. Eduque-se para a diversidade do mundo. Ser antirracista e anticapacitista é obrigação. Informe-se, saiba quais são os termos corretos, ninguém tem a obrigação de te explicar. Olhe ao redor: seus amigos são todos iguais? Se sim, você está perdendo a chance de ter uma vida muito mais interessante e rica, e isso vale pra diversidade racial, LGBTQIAP+, neurodiversidade e por aí vai. Passe adiante.
6. Quem não cuida da saúde hoje cuida da doença amanhã. Sim, desculpa vir aqui com a frase de coach, ou do nosso amado Drauzio Varella, mas é a mais pura verdade. Coma suas gostosuras, viva seus excessos, ame seu corpitcho como ele é, mas se exercitar e suar é extremamente importante pra saúde do corpo e da mente. Então amore, reage, bota uma cropped, vamo ganhar músculo, elasticidade, suar o estresse e ter qualidade de vida pra envelhecer bem. Para efeitos motivacionais, assista Caetano Veloso, 80, e saiba que quem pratica atividade física tem uma vida sexual melhor de quem tá sedentário.
7. Ser workaholic já saiu de moda há muito tempo. Está na hora de a gente também dar um fim na era do burnout. Estar na moda é estar na Bahia, amor.
8. Ficar rycaaaaa. Brincadeira, mas bem que podia né? Mas tô brincando. Na verdade, não tô, não. Entrar mais dinheiro vai ser muito bem-vindo, viu, universo? Mas caso você aí fique riquissíme do nada, lembra de ter consciência de classe e também de apoiar essa newsletter aqui.
9. Aceitar elogio. Não é pra dizer o preço da roupa quando comentarem que você tá bonita/e/o. Não é pra falar "nossa eu tô tão esculhambada" como resposta pra quem te chama de linda. Não é pra se desmerecer só porque não sabe sustentar elogio, ok? Diga: Obrigada, kkk, fico sem graça. Pronto.
10. Aquela neura podia ter sido uma conversa. Já viram esse meme? Vamos abraçá-lo?
11. Entender Lacan. Porque parece chic. Mas também estamos sem tempo. Então, sei lá. Não precisa entender também.
12. Deixe de seguir todas as pessoas que disparam gatilho de insegurança em você. Rede social é rolimã na ladeira. Em vez disso, assine Folga e leia nossa newsletter direto na sua caixa de email.
13. Apoie o Folga. (Falamos que eram 12 metas, mas quisemos ficar com o número 13 pra dar sorte).
Lições do patriota do caminhão
por Helen Ramos
Em uma sessão de análise, logo no início do ano, eu estava reclamando de estar sempre falando sobre a mesma coisa e não conseguir tocar, seguir, sair da procrastinação. Não conseguia sentar e desenvolver todos os projetos que eu quero há tempos. Verbalizei: "tô cansada de mim, chega disso, me sinto paralisada". Devo ter dito isso umas 30 mil vezes na análise já. Mas em uma dessas conversas enigmáticas e difíceis que só uma psicanálise faz por você, uma ficha caiu. Como fazer para que esses desejos não fiquem apenas como desejos intocáveis, angustiantes por existirem e não acontecerem? Como matar o ideal? Como fazer com que essa vontade não fique no campo das ilusões? Fazendo.
Parece simplista e um tanto quanto cafona. Na minha neurose você que agora me lê está pensando o mesmo: sim anja, mas não é fácil. Pois é, dá um medo da porra. O que vão pensar? E se eu fracassar? E se não der certo? E se for ruim? E se? E se? E se… foder. A gente só vai saber fazendo. Tem medo de assombração? Vê ela, dá oi e passa por cima. O objetivo é fazer tipo o caminhoneiro com o tiozinho facista pendurado, sabe? O tal do tiozinho achou que ia adiantar parar na frente do caminhão? Nananinanão, aqui não tem assombração, aqui a gente pisa no acelerador. E esse é meu grande combinado comigo esse ano: bora Helen Ramos, chega de se lamentar e vamos viver o que há para viver, vamos nos permitir, já dizia a galera do BBB parafraseando Lulu Santos. Estou numa fase Maria Bonita com facão na mão.
Pra esse ano, eu fiz uma mistura de metas com combinados e autoperdão. Por exemplo, eu tenho metas, sim, e quem não tem, né, Cláudia? Mas caso eu não consiga cumpri-las é meta também me perdoar. Além disso, eu fiz combinados do tipo: Helen, amore, vamo tentar não repetir as coisas que a gente já sabe que faz mal?
Também fiz alguns contratos pessoais, igual a gente faz com filho, mas a filha sou eu mesma. Começando com não assistir BBB para ter tempo de fazer coisas mais inteligentes e úteis. Um combinado que já caiu por terra, mas na última quinta por exemplo eu não assisti e fui ler antes de dormir - um pouco de droga um pouco de salada, tá tudo bem. Isso porque trabalho com Carol Pires, né, que fala 16 línguas. Imagina ela conversando comigo que assiste BBB? Mas deve ser por isso que vocês gostam dessa newsletter, uma mistura boa.
Próximo combinado: CORAGEM. A primeira coragem é saber verbalizar sobre meus limites. Tenho passado há anos por situações em que eu não consigo dar um basta no que me faz mal. Esse ano eu quero conseguir dizer: "pare, não gostei, não concordo, não fale dessa forma". E caso não seja respeitada, tchau. Spoiler: começar a impor limites de respeito pode afastar um monte de gente, faz parte do processo mesmo.
É complicado porque geralmente quem não respeita limites está em uma posição de poder, então eu sei bem que não é fácil. Muitas vezes não dá pra colocar um limite e ser demitida por exemplo. Mas se você está em um ambiente tóxico tal qual a Esplanada no dia 8 de janeiro, coloque sua máscara de oxigênio e se planeje, peça ajuda, crie uma estratégia para se livrar dessa situação, não ache que você vai se acostumar ou que aquela pessoa vai mudar, ela não vai, e você vai adoecer.
Tem mais metas? Ora, se não tem! Vou usar menos sutiã e tentar não cair em ciladas patriarcais sobre o que é imposto para o corpo de uma mulher. Sim, eu sou uma neurótica com a cabeça prejudicada, que nasceu em 1987, que foi uma adolescente leitora da revista Capricho, em que a ditadura da magreza ganhou as eleições da minha vida até pouco tempo atrás. Entendi que é tudo bem eu não dar conta de não ligar para isso. Confesso que ando meio com ódio quando aparece uma propaganda de cosmético dizendo: "ame suas curvas, suas estrias… compre a gente". Eu logo grito com a tv: não é fácilllll seus bostaaaaaaa.
São só 6 anos de análise versus 31 de vida e sociedade gordofóbica, machista e misógina ao meu redor. Porém prometo tentar ter mais carinho comigo, ir mais na via da saúde do que de corpo "perfeito”. Algo que me ajudou por exemplo foi sacar que eu amo ser forte, amo ter elasticidade, amo muito exercício físico (sempre amei). E praticar com frequência já faz com que eu me sinta bonita. Funciona pra mim esse caminho: muito músculo, muita elasticidade, muito alongamento, muito condicionamento físico. Fernanda Lima é você? Não não, sou eu Helen Ramos, você se confundiu. Mas é isso: descobri que a melhor versão de mim é essa que pratica muito exercício mesmo. BORA MINHAS GOSTOSAS, traz o dramim porque a mãe tá tão bonita que tá enjoada, viu?
Agora, as Metas. Outro dia me perguntaram: se você tivesse que escolher só uma profissão, só um jeito de trabalhar que te sustentasse, qual seria? Atuar (e nisso tá incluso escrever). Então, a gente tem que correr atrás, né? Eu já estudo, mas tem que estudar mais e também produzir. Ser atriz no Brasil não é nada fácil nem glamuroso, é digno de querer desistir sempre - a não ser que você tenha uma beleza muito padrão-patriarcado, pra ser contratada sem nunca nem ter estudado. Então, dedinhos cruzados para esses projetos se desenvolverem e virarem ingressos pra quem quiser comprar. E viva a cultura!
Pensando nisso, é bom lembrar quem eu vou ligar menos pros que eu ACHO que os outros pensam, pro julgamento do outro, pro comentário hate no twitter do outro, pro outro pro outro. É do outro que vem a culpa, o julgamento que paralisa e que por consequência me angustia por não estar criando, fazendo e aparecendo. E a gente ser quem a gente é vai incomodar muito mesmo, não tem como, então eu vou ser eu cacete, foda-se o outro. Coragem minha gente, e vamos nessa.
Férias na Tasmânia
por Carol Pires
Como todo início de ano, peguei um bloquinho de capa colorida, várias canetas em tons terracota - tudo novo, pra dar a impressão de recomeço - e me pus a escrever minhas metas do ano. Mas, que erro feio. Erro rude. Eram férias escolares - as piores que jamais pensei viver. Me planejei mal, admito. A escola fechou pra reforma e não ofereceu colônia de férias. Encontrar uma segunda opção que aceitasse uma criança de 3 anos com autismo de última hora não foi possível - porque não tinha muita opção mesmo, mas também porque as opções que tinham me deram muita ansiedade de que a Eva poderia ficar descuidada ou, pior, sofrer bullying. Testei 3 babás folguistas, mas nenhuma se mostrou à altura da gângster. Minha mãe viajou. E eu me fudi.
Que tipo de metas uma mãe é capaz de planejar quando está tentando entreter um diabo da Tasmânia? Como não achei dardo tranquilizante pra comprar na shopee, enfrentei o mês com caminhadas pela quadra, duas idas ao parquinho por dia, dois banhos de banheira diários e open bar de canetinha lavável - o que é como tentar domar um cavalo com chá de camomila. O que pude anotar como meta foi: trabalhar até estafar para conseguir pagar uma colônia de férias prêmium para substituir o horário de aulas, uma assistente terapêutica para cobrir os horários que normalmente são de terapias e babás folguistas no final de semana.
Mas sempre que fantasio com a ideia de ter 24 horas de ajuda e creche noturna - por que não? -, me sinto mal por desejar passar menos tempo com minha filha. Mas, aí, fui ler umas coisinhas. Conto o que achei:
35% dos pais têm medo que seus filhos sofram bullying, segundo pesquisa da Pew Research Center. Ou seja, faltou eu me planejar melhor, mas, sim, é bem difícil confiar os cuidados de um filho, ainda mais atípico, a qualquer um.
62% dos pais disseram à mesma pesquisa que a maternidade/paternidade é mais difícil do que eles imaginavam. 26% acham que é MUITO mais difícil. Eu faço parte da turma que mesmo amando a criança loucamente acha tão difícil, que aconselha as amigas: não façam isso, vai por mim!
41% acham a maternidade/paternidade cansativa e 29% se sentem estressados a maior parte do tempo. Quando só as mães respondem, o índice é maior: 33% estão cansadas a maior parte do tempo. Eu sou das que estão cansadas até dormindo. Mas já procurei um endocrino, podexá.
Outra pesquisa mostra como a maternidade ficou mais demandante desde a geração dos nossos pais. Nós gastamos cada vez mais tempo e mais dinheiro com nossos filhos. As mães de hoje em dia que têm uma carreira profissional - como eu - gastam a mesma quantidade de tempo cuidando dos filhos que uma dona de casa da década de 70. Ou seja: é claro que ta dando ruim. E por que mesmo assim nos sentimos culpadas, gzus?
Agora que as aulas voltaram, meu estado de desespero melhorou. Escrever pro FOLGA é aquele momento em que eu lembro que não sou a única nessa corrida maluca. Não sou a única com um filho em casa nas férias. Não sou a única mãe exausta. Nem tudo está sob meu controle.
Por causa do perrengue de verão, não tive tempo de montar as metas de 2023. Mas já pensei na primeira anotação pro caderninho auspicioso: nas próximas férias escolares, Eva passará um mês inteiro com o pai. E eu vou usar o dinheiro que seria pra pagar creche, colônia de férias, day care, babá, AT e domador de leões numa viagem pra bem longe. Acho até que dá pra chegar na verdadeira Tasmânia.
CARTAS DA PAULA
Nesta edição, pedimos pras Paulas mandarem suas metas para 2023. Olha o que chegou:
Corpo em movimento!
Relaxar (como se fosse possível kkkkrying).
Cuidar melhor da minha saúde.
Viver sem grandes sustos....
Manter a terapia em dia.
Ter mais tempo para autocuidado!
Cuidar mais de mim.
Ler 12 livros.
Viajar 5 vezes no ano.
Trabalhar menos que seis horas por dia.
Não centralizar minha minha no meu relacionamento romântico para ter mais tempo com amigues.
Análise em dia.
Comprar menos.
Talvez você não tenha tempo, mas fica aí a fica:
DICAS DA HEL:
Livro: Seu Paciente Favorito (Estudos). Violaine de Montclos.
O livro traz 17 histórias (casos) de psicanalistas. É o tipo de livro que adoro, e que me deu uma boa ajuda em minha própria análise.
Poema : "La Ternura de Las Chongas" de Val Flores . Recebi esse poema quando estava procurando mais leituras LGBTQIAP+ e nossa, me atravessou, chorei, me apaixonei. Está em espanhol, então já saiba que "las chongas" é tipo - eu disse tipooooo, com toda licença poética - caminhoneiras.
DICAS DA CAROL: Rádio Novelo Apresenta, nova série da Rádio Novelo, produtora do meu podcast Retrato Narrado. Apareço em 2 episódios publicados em janeiro. No segundo ato do episódio 72 horas, eu e as madrinhas da Eva, Paula Scarpin e Flora Thomson-Deveaux, mais a Natália Silva passamos 72 horas em Brasília acompanhando os preparativos para a posse presidencial. Já no segundo ato do episódio Castelo de Cartas, a Paulinha conta a história da minha bisavó, noticiada no Brasil e no exterior como a mulher mais velha do mundo, com 154 anos. Oi? Pois é. Ouve lá.