Aperto no peito, respiração consciente, às vezes falta de ar ou hiperventilação. Pode aparecer no meio do dia ou da noite. Quando você está acordada. Ou acorda sem querer. Ou ainda quando acorda por querer – querer, no caso, do bebê. Aí você já sabe, são aqueles sintomas que te paralisam e chegam igual alma assombrada dizendo "eu vou te angustiaaaaar".
É ela, a ansiedade, velha amiga, que faz seu corpo pipocar de aflição.
A ansiedade faz parte da gente. Foi um dispositivo muito importante nos tempos das cavernas, quando o que temíamos eram bem tangível: um urso, uma manada de hienas, o rei Leão. É quando o sistema nervoso entra em ação dizendo que é momento de lutar ou fugir. Mas de que serve, hoje, sentir o coração disparar e ficar trêmulo dentro do seu apartamento com tapete felpudo e airfryer?
Uma leve ansiedade cotidiana ainda serve pra algo: se estamos ansiosos porque estamos atrasados, vamos agilizar o corre pra dar tempo. Nesse caso, é uma ansiedade saudável e tangível, que você consegue resolver sendo pró-ativo.
Mas se a ansiedade te ataca quando a solução não está em suas mãos vira um sufoco sem razão. O problema mora aqui: não é saudável passar muito tempo sofrendo pelo que não está ao seu alcance resolver. A ansiedade aumenta o volume da nossa autocrítica interna, acaba com a autoestima, e começa a dar ruim nos nossos relacionamentos - inclusive com nossos filhos. Se não for cuidada, a ansiedade pode se tornar um problema clínico e desencadear depressão e síndrome do pânico.
A Dra. Simone Vigod, psiquiatra de saúde da mulher e chefe do departamento de psiquiatria do Women's College Hospital em Toronto, estuda o cérebro materno (apesar das dificuldade de recrutar mães para o estudo porque, afinal, elas estão ocupadas) e mapeou como o cérebro da mulher se reorganiza na gestação e puerpério, nos deixando mais focadas nos cuidados com a cria, porém mais lentas pra outras funções. O palpite dela é que essa "poda sináptica" está ligada à depressão e ansiedade que nós sentimos no início da maternidade. Ou seja: não é um problema individual, é coletivo, biológico.
Por aqui, torcemos que mais e mais mulheres na área da pesquisa científica se dediquem a decifrar nosso corpo, como os homens (maioria absoluta nesse campo por séculos) não fizeram.
Quem sabe assim deixamos de achar que o que sentimos é um fracasso pessoal e sim nosso corpo exaurido dando conta do que nos é exigido socialmente pelo patriarcado e pelo capitalismo: trabalhar fora de casa e dentro de casa, ter uma carreira e também criar filhos, haja cafeína. Aliás diminuir a cafeína ajuda a diminuir crises de ansiedade, mas como dar conta daquela reunião as 14h sem dormir e cair de cara no teclado do computador google pesquisar.
Enquanto esse dia não chega, fica aqui o exemplo dessas mães de Massachusetts, nos Estados Unidos, que estavam exaustas da maternidade e começaram a se reunir à noite num campo de futebol da cidade para gritar. E apenas gritar. Ahhhhhhh!
CRÉU CRÉU CRÉU CRÉU
Por Helen Ramos
Já era noite, meu filho tinha dormido, a novela que eu levo a sério tinha acabado e eu finalmente estava sentada no sofá com meu namorado pra beber um chá e ver uma bobagem, aquele momento relax que antecede o sono. De repente, percebi que estava respirando mais fundo do que o normal e que uma sensação de pontada de agulha tinha acertado meu coração. Em coisa de segundos, a dor aumentou, como se a espessura da agulha fosse aumentando até virar uma adaga. Nossa, que dramáticaaam!!! Mas o pior é que era exatamente essa a sensação física.
Amor, meu peito tá doendo muito - eu disse, e da-lhe lágrimas.
Que foi? O que foi? O que aconteceu?
Mas eu não fazia ideia do por que.
Momentos assim, infelizmente, não foram raridade na minha vida. Desde o começo da vida adulta, logo ali depois dos 19 anos, essa sensação aparece na BR que eu dirijo meu caminhão (analogia que faço pra falar dessa longa estrada da vida) e subindo na caçamba sem pedir licença.
Na época, fazia sentido sentir aquilo porque foi quando percebi que precisaria frustrar os desejos dos meus familiares. Não, eu não escolheria a "paz de um cargo público" (leia-se "depressão", no meu caso) porque queria morar na cidade grande, trabalhar com arte (kkk, a louca), e pouco depois também me tornaria uma mãe com sobrecarga de responsabilidades. Uma McOferta de ansiedade, beninas.
Desde então, não passa um ano sem que eu tenha uma dessas crises de ansiedade severas. Mas, até eu descobrir o que era, eu achava que era obsessão, como minha educação kardecista me ensinou. Ou seja: seres imateriais soprando pensamentos impuros na minha cabeça. Sim, pode rir.
Foi fazendo análise que eu entendi que não dava para culpar o pobre do Alexandre de A Viagem, o tempo todo - o que, por consequência, aumentou minha responsabilidade comigo mesma.
Vou narrar aqui uma crise para que, quem nunca teve uma crise (onde moram, o que comem? Hoje, no Globo Repórter) possa entender.
É assim. A velocidade da minha cabeça e do meu sangue correndo multiplica por três enquanto o mundo gira normal. Aí eu alcanço um futuro - que não passa de fake news - que fica batendo na minha testa como uma bola de tênis em looping mostrando que eu não vou dar conta de nada, nothing, niente. Apesar de tudo estar girando e a bola/futuro batendo na minha testa, consigo racionalizar que talvez eu caia dura ali mesmo. E imediatamente um novo futuro/fake news surge, em que meu corpo será encontrado pelo meu filho. Nisso, a ansiedade de ter causado esse trauma no coitado já começa a bater na minha testa também. Enxágua e repete.
Como a essa altura eu sei que preciso me acalmar, eu respiro tão fundo que sinto alguns vasos sanguíneos da narina estourando. Vou respirando, massageando meu peito e penso em algo muito específico pra me enganar, distrair minha cabeça. Tipo: como se faz hommus? Se não funciona, imagino aquela sensação de estar com o corpo quente do sol e pular na água gelada de uma cachoeira. Quase sempre funciona.
Após crises intensas de ansiedade, eu costumo pensar no que eu ando fazendo para que meu corpo precise transbordar tudo isso que não está cabendo nele. Às vezes os motivos estão na minha cara, como um trabalho que não terminei (porque sequer comecei).
Ou acontece porque estou vivendo um extremo cansaço mental que me faz pifar, mas eu, bem ex-workaholic que sou (em tratamento), acho que meu corpo cansado precisa funcionar tal qual uma máquina na velocidade 3 do crééééu, e o jeito de ele desligar é mandando uma sirene de bombeiro pro meu coração. E ah gente, eu sem exercício físico é receita pra dar ruim, vale dizer que pros ansioses da estrela que botar esse corpo pra suar é essencial pra não surtar.
Após algum tempo de análise, entendi que me afastar dos meus reais desejos é o que mais me gera ansiedade. Virgi Maria Nossa Senhora da Aparecida Mãe de Geral, é certeiro. E talvez esse seja o maior desafio porque, como li outro dia num livro da Eliane Brum: "A lucidez é um estado permanente".
#PUBLI
INTRÍNSECA
Aqui no FOLGA a gente está sempre discutindo (entre a gente) sobre a exposição dos nossos filhos. Queremos falar de maternidade. Mas falar sobre ser mãe sem falar sobre o neném, seria como o neném sem chupeta, Romeu sem Julieta, amor sem beijinho, Buchecha sem Claudinho… você já entendeu!
Trabalhar com redes sociais já é uma ansiedade louca - quantos likes? Instagram mudou o algoritmo de novo? Ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de meu amor…- e aí ainda metemos filhos no meio!
E é bem sobre isso que fala o novo lançamento da Intrínseca: o livro A Influencer, que conta a história de Emmy Jackson, uma mulher casada e mãe de duas meninas que vira uma influenciadora digital com mais de 1 milhão de seguidores. No caso dela, a @mama_semfiltro é uma personagem que a protagonista cria para mostrar uma maternidade PIOR e não melhor do que sua realidade. Ela sacou que engaja, sabe?
No início, Dan, marido de Emmy e um discreto escritor , topa a exposição (e a transformação da sua casa em um cenário todo patrocinado). Mas quanta exposição é ok nessa conta? Até que a ansiedade (alô olha ela aqui de novo) de ganhar mais e mais engajamento leva Emmy a ganhar um hater daqueles! - que coloca sua família em risco! Sim, é um thriller moderno, em que o perigo vem das redes sociais!
Leitora da FOLGA encontra o livro por aqui.
Fogo no parquinho
Carol Pires
Desde que me mudei para Brasília, as visitas ao parquinho são precedidas de muita ansiedade. Não sem razão.
Minha filha ama abraçar e o faz de repente, agarrando belos rapazes de seis anos sem aviso prévio. Ela ainda não sabe que #nãoénão.
Meninas da sua idade (em geral mais baixinhas que minha pequena Gisele Bündchen) ganham pequenos empurrõezinhos. Para a Eva é um sinal de que as outras devem sair correndo para iniciar o pega-pega, mas a maioria interpreta como bullying da menina mais bonita do parquinho..
Já os brinquedos à vista na areia, para ela, são de todos - uma socialista, oras!
Algumas vezes, seu jeitinho intrometido não é problema. Mas, muitas vezes, sim. E minhas tentativas de intervenção são arriscadas – e daqui brota muita ansiedade - porque pode ser que ela me ouça e obedeça tranquilamente ou pode ser que ela se fruste, mergulhe no chão, jogue areia no olho dos pais no alambrado, e taque fogo no parquinho, causando pânico na cidade e intervenção federal.
Em São Paulo, frequentávamos dois parquinhos em que os brinquedos na areia eram literalmente de todos. Pais e mães como eu comprávamos baldinhos e pazinhas que não levávamos pra casa depois da brincadeira 1) pra não voltar pra casa com quilos de areia e 2) pra ter brinquedos disponíveis num futuro retorno.
Em caso de brigas pelos brinquedos, as mães se olhavam numa competição de gentileza: "pode deixar ela brincar", "deixa eles se resolverem". Uma vez senti necessidade de explicar que minha filha não era uma criança mal educada, só estava no espectro autista e tinha dificuldade em atender comandos. "Imagina", disse a outra mãe, "isso é de criança, esteja no espectro ou não". O parquinho costumava ser uma bolha feliz e quentinha.
Mas esses parquinhos ficaram distantes. Aqui em Brasília não há baldinhos dando bobeira – a não ser os que foram levados por outras crianças que pretendem voltar pra casa com eles.
Semana passada, umas quatro crianças (de dois a cinco anos, acho) brincavam no parquinho em frente ao meu prédio quando a Eva entrou correndo e se sentou na rodinha delas. Respirei fundo: "tá tudo certo".
Uma menina perguntou seu nome e foi ignorada, mas não veio me perguntar "por que ela não fala?". Respirei: "tá tudo certo!"
O menino menor, sentado com seu baldinho verde, estava tranquilo, como uma criança de dois anos que não conhece o conceito de assalto, quando a minha pequena gângster chegou pelas costas e levou seu baldinho embora (e dentro dele toda a areia angariada para a construção de um castelo).
Antes que eu pudesse gritar "Eva!", a mãe do menino se levantou do banco - mais próximo da entrada que o meu - e foi em direção aos dois batendo os pés com força na areia, como se fosse uma égua velha esmurrando o chão ou uma criança querendo deixar claro que estava com muita raiva.
A mãe puxou o baldinho das mãos da Eva com as duas mãos (como se precisasse de força no embate entre duas mulheres, uma de trinta e outra de três anos) e devolveu ao filho dela. Era uma mãe jovem, com piercing no rosto. Mas não deveu em nada à Dona Florinda distribuindo cascudos pelo seu precioso Kiko.
Situações assim são frequentes, infelizmente. Quando a pessoa é muito grosseira eu peço desculpas e explico que ela tem autismo. Na verdade, as pessoas não deveriam ser grosseiras com crianças e pronto, sejam elas típicas ou atípicas. Mas talvez eu tenha uma expectativa inocente de que as pessoas se conscientizem pela vergonha.
Uma vez, no Rio, vi um menino de uns seis anos empurrar outro, de três, com tanta força que o coitado voou pelo barco pirata. O pai do menorzinho ficou apavorado. E a mãe do maior veio até ele, falou algo baixinho, e o deixou voltar a brincar. Longe de onde eles estavam, relatei pra minha mãe o que tinha acontecido e decretei que "se fosse meu filho, não tinha direito de voltar a brincar". E eis que uma senhora do nosso lado pediu licença: "Sou avó dele, escutei vocês conversando, e queria te dizer que ele tem T.O.D e já está em terapia, mas depois pesquisa o que é".
Queria que um buraco tivesse me engolido de tanta vergonha. Pesquisei na mesma hora: T.O.D: Transtorno Opositivo-Desafiador. Me vi no espelho. Aquela mãe enfrentava, como eu, horas de terapia, dias de desesperança, e uma vida de ansiedade pré-parquinho. Depois dessa experiência, nunca mais julguei uma criança e sua mãe. E a isso eu chamo "conscientizar pela vergonha".
Por isso, quando a Eva tem alguma ideia muito ruim no parquinho (porque ela tem muitas, muitas ideias ruins ao longo do dia), eu peço desculpas e informo que não, ela não é uma criança "cujos pais não impõe limites". Ela tem autismo e por isso costuma me ignorar quando eu chamo sua atenção. Em geral recebo como resposta caras de susto e uma encolhida de ombro de vergonha.
Foi assim com a mãe do parquinho e com um homem adulto que, outro dia, num voo de Brasília pra São Paulo, gritou para eu "controlar" minha filha porque ela tinha feito ele derramar um copo d'água nas próprias calças - o que agora interpreto como vingança prévia.
Minha filha estava no assento à frente dele e talvez tenha empurrado o encosto pra trás, fazendo virar o copo d'água dele na bandeja. Olhei pelo meio das cadeiras e disse que não tinha entendido, mas o homem não me olhou de volta. Só revirou os olhos e ficou bufando – tal qual uma criança que quer deixar claro que está birrada ou um bisonte com calor.
De costas, ouvi a mãe dele, sentada ao lado, dizer pra ele que não havia sido nada, que era só secar. Mas ele continuava bufando. Então, me irritei. Voltei a olhá-lo pela fresta entre os bancos e disse brava: "continuo sem entender como pode ter sido culpa dela, mas te peço desculpas". Te peço desculpas, claro, em eu digo em tom de "vai tomar no meio do seu cu.
"Acontece que é um pouco complicado controlá-la, como você disse, porque ela é uma criança de três anos com autismo", completei. Ato contínuo: olhar de susto e ombros retraídos.
Voltei a olhar pra frente rápido porque comecei a chorar. (Se você um dia me encontrar chorando na rua saiba que eu não estou triste, só acabei de passar por uma situação enfurecedora —é meu jeitinho de lidar com a raiva).
Nem precisei pedir pra mãe dele "controlá-lo". A própria ficou com vergonha pela deficiência de educação do filho dela e veio se explicar: "imagina, isso é de criança mesmo, com autismo ou não". O puxão de orelha da mãe dele funcionou. Passados uns segundos, o homem voltou a colocar a cara no meio das cadeiras e, tal qual uma criança obrigada pela mãe, pediu desculpas pela maneira como tinha falado comigo.
Pelos dez minutos seguintes, chorei olhando pra frente ouvindo ela o repreender logo atrás da gente. "Criança é assim mesmo. Você também não foi nada fácil quando criança. Então, agora, vê se fica quieto aí na sua".
Mova-se
Por Anielle Franco
Era setembro de 2019 e eu planejava cuidadosamente uma segunda gravidez. Como eu tomava anticoncepcional por muitos anos, pensei: “ah vai demorar bastante”. Ledo engano.
Menos de um mês depois, estava a caminho de Saquarema doida pra jogar vôlei em um dos maiores campeonatos master do Brasil. Passei mal já no primeiro jogo. Senti um cansaço e uma dor na barriga que me arrepiam ainda hoje quando lembro.
No dia seguinte, acionei minha ginecologista para fazer alguns exames. Na ultra lá estava ela: Eloah, já de algumas semanas, e um descolamento da placenta enorme. Tinha 80% de chances de perdê-la.
Chorei, me desesperei, pedi socorro, e minha médica prescreveu: “repouso total.”
REPOUSO gente. Eu, Anielle, agitada como sou, tinha que ficar de repouso!
Logo eu, que jogava, corria, nadava, dançava, Meu Deus, repouso!?
Ou era isso ou era isso. Como o que não tem solução solucionado está, fiquei 72 dias de repouso absoluto. Fazendo um longo e grande nada. Me olhava ali, deitada, com o barrigão crescendo e só chorava. Não sentia que o tempo passar, só as lágrimas escorrendo. Mas como não há nada tão ruim que não possa piorar, em março do ano seguinte confirmaram o primeiro caso de Covid-19 no Brasil, confirmando também o meu desespero absoluto.
Estava contando os dias pra poder voltar a viver e acabei presa no repouso dentro do repouso. Já tinha medo de ir na lixeira do prédio. Sair de casa para os exames de rotina viraram Wakanda em guerra dentro de mim!
Mas eu sabia que precisava me acalmar. Tentei meditar, mas não tive paciência. Tentei pintar, mas não tive paciência. Virei professora particular da minha filha mais velha com não tanta paciência. Aprendi a cozinhar tudo o que eu tinha vontade de comer - e deu bom, pois: taurina! Também virei a louca das compras online. Mas ainda assim algo me faltava: e não, não era o último lançamento da Polishop.
Passei a brigar até com a porta, já que o marido e a Mariah já não davam pro gasto. Passei a me sentir insuportável e me voltei para os livros. Quem sabe odiar uns personagens imaginários dava conta. Mas não tive paciência.
Até que, enfim, veio a liberação médica para exercícios físicos (sexo incluso). Era isso que eu precisava: me mexer. Caminhava de manhã e à noite. O estacionamento do condomínio virou quadra de vôlei. E a Mariah ganhou passe livre para descer comigo pra andar de bicicleta. E assim fui me reencontrando.
A ansiedade não foi embora de todo. Entrei no hospital certa de que iria parir a Eloah e pegar Covid. Deu tudo certo: fui liberada no dia seguinte com bebê e sem vírus. Mas em casa, senti falta do repouso. Pois a ansiedade de ter duas filhas, sendo uma recém-nascida e a outra morta de ciúmes da primeira, os hormônios do puerpério e a neurose da pandemia foi um PQP dez vezes.
A ansiedade era tanta que eu me coçava inteira. Me dava logo uma alergia no corpo todo. Queria poder ir pra uma ilha deserta e dormir o dia todo. Ou pelo menos me trancar no armário e ficar invisível. E mais uma vez a solução estava nele, o esporte. Não adianta, é o que me acalma. Aprendi na raiva, no choro, na luta, na vontade de sumir que me movimentar é o que me acalma. Nem sempre é fácil e em muitos momentos tive que abrir mão disso para priorizar minhas filhas, mas também sei que tampouco posso me abandonar pra sempre pelos outros, mesmo por elas (até porque elas precisam que eu esteja inteira).
Nesse Brasil de 2022, cheio de incertezas, medos e inseguranças, o que te faz feliz? O que diminui sua ansiedade? Seja lá o que for, ache, se cuide e vamos que vamos. Nossas crias precisam de nós. Mas pra isso, precisamos estar vivas e inteiras.
Colunista convidada
A ansiedade mora ao lado
Nath Cruz
Se a pandemia foi um convite pessoal e intransferível para viver o agora, a gestação foi como um oficial de justiça me convocando para a urgência do hoje.
Não atendi nenhum dos dois apelos.
Eu nunca me considerei uma pessoa ansiosa e sempre me gabei por isso.
O máximo de ansiedade que eu experimentava era a do sentido figurado: uma vontade boa de que aquela festa chegasse logo ou um mal-estar conformado que antecedia uma prova ou algo do tipo.
O confinamento me freou no meu auge. Tinha acabado de me mudar de Brasília para o Rio, estava como roteirista e atriz no Porta dos Fundos e ia a pé para o trabalho todas as manhãs. Lembro de me flagrar tentando entender como eu tinha acertado tanto na trilha da vida: "será que eu mereço tanto?"
Isso pode parecer só uma síndrome da impostora, mas no meu caso foi também o abre-alas da ansiedade chegando. Me distraindo do pleno regozijo dos dias de glória para pensar sobre eles.
Depois disso, foi aquela overdose da gente com a gente mesmo, numa sequência infinita de dias iguais que pareciam fazer o tempo correr pra trás. A semana virou mês que virou ano. A casa virou firma, escola, palco, bar, velório. De repente a gente só tava tentando ficar vivo, torcendo pro tempo passar e com medo de como ia ser essa passada dele.
Foi nesse contexto que a ansiedade passou de conhecida à amiga e de amiga foi morar comigo. Sim, ela é meio espaçosa e, quando você deixa, vai tomando conta da sua vida. Te ilude com falsas promessas de controle e de repente vira sua companhia para todas as horas.
- Tóxica do c#aralh%.
Quando o novo normal já estava ficando velho, eu tive um surto de autoconfiança e decidi que era um bom momento para ser mãe. Dizem que mar calmo nunca fez bom marinheiro e foi só então que eu percebi uma vontade oculta de ser almirante brigadeira da esquadra toda do o além-céu.
Minha gravidez não foi planejada, mas também não se pode dizer que tenha sido evitada. Ela simplesmente foi. Uma gravidez acontecida. E se por um lado eu quis passar por essa experiência, por outro, tudo o que eu queria era que ela passasse logo. Sabe quando você quer chegar, mas não quer ir? Foi assim e até hoje está sendo.
É um relaxa-contrai angustiante de alguém se descabelando enquanto grita consigo na tentativa de se acalmar:
Mais um dia ou menos um dia?
O caminho até aqui é maior ou menor do que o que ainda vem pela frente?
Tudo vai passar. Mas, pra onde? Pra virar o quê?
Inspira. (inspira mesmo). Segura... sete e oito e-
Soooolta!
Deixa ir.
O ar e as rédeas...
E nessa você aprende que a paciência é um exercício muito mais poderoso do que prazeroso. A ideia é aceitar que tá tudo bem, não estar tudo tão bem assim.
A boa notícia é que com o filho nascido fica mais difícil dispersar tanto. O choro, a fome, o cocô da cria... Tudo isso tem o poder de te trazer pro aqui-agora compulsoriamente. Contudo, não se iluda. Se Deus fez o bebê, o diabo fez todas as outras pessoas.
Se a pressa para superar cada dificuldade já é aflitiva o suficiente, o assombro dos bem intencionados que dizem "o pior ainda está por vir" é cama feita para ansiedade que deita ao seu lado e, ironicamente, nunca dorme.
CARTAS DA PAULA
CARTA 1
Às vezes tenho crises de ansiedade muito fortes (sou diagnosticada com transtorno de ansiedade generalizada) que certa vez, no banho, pensava em tanta coisa ao mesmo tempo, que ao limpar a gilete no banho passei o dedo do lado errado pela lâmina. Só com o ardido daquele buraco sob a água entendi onde eu estava e que a única coisa que eu devia estar focada era na minha higiene pessoal. Parece que só com dor física a alma para de vagar entre mil ansiedades e volta pro corpo.
Se a ansiedade é de longa duração, faço tudo no trabalho errado, me sinto péssima, acho que meu cabelo denuncia que eu tô louca, e só penso em ir pra casa. Mas em casa vou encontrar meus filhos pré-adolescentes e há sempre a possibilidade de eles começarem a brigar por nada, me fazendo querer apertar a mão contra os olhos. Daí começo a fazer listas mentais e planejo organizar tudo milimetricamente em casa para tentar (em vão) amortecer o caos que eles farão ao chegar da escola.
Às vezes imagino ter uma vida tão diferente da minha, em relação a grana, reconhecimento profissional, espaço, que até deliro. Só volto pro corpo com a gilete cortando meu dedo no banho.
Minha mãe costuma dizer que a fila pra frente é grande, mas pra trás é ainda maior. Tento pensar que já cheguei longe, mas o racional não dá conta do emocional. Preciso ir na academia suar minha ansiedade. O único bom da pandemia é que a máscara esconde o choro enquanto corro na esteira.
CARTA 2
Minha ansiedade é saber se pai vai buscar a criança na sexta-feira a cada 15 dias. Ele é sempre caótico, nunca posso me programar ou marcar compromissos. O coração pula de ansiedade! Custa pessoa se organizar e confirmar com antecedência??? Custaaaaaaaa? Aqui eu só aviso o filho que ele vem quando o pai já tá chegando porque basta um ansioso.
CARTA 3
Eu acho que minha ansiedade vem de conteúdo de grupos de mães, que pode te levar para dois extremas. Por um lado, não dar um passo, não tomar uma decisão sem consultar aquilo ali. Mas por outro lado de pensar que quem estava macerando minha cria era o grupo, não eu. Mas isso passou. Depois, claro, de muita terapia.
RESPOSTA DAS COLUNISTAS:
Paulas, queridas, resolvemos conversar com vocês na segunda edição do nosso podcast: Cartas da Paula. Vamos lá?
Em breve aqui no substack.
TALVEZ VOCÊ NÃO TENHA TEMPO, MAS FICA AÍ A DICA
Carol: Indico SOLITÁRIA, livro da Eliana Alves Cruz, que conta a história de Eunice, a mal paga faxineira/cozinheira/secretária/babá/mãe-de-criação-da-filha-dos-patrões e Mabel, filha da Eunice, que cresce ali como uma empregada-mirim da família, observando, do quartinho de empregada, todo o passado escravocrata perpetuado nesse arranjo ainda tão comum em lares da alta-sociedade (alô, podcast A Mulher da Casa Abandonada!). “Em Solitária, Eliana desponta como uma das mais importantes vozes de nossa literatura contemporânea” - é o que diz o Itamar Vieira Júnior na contracapa do livro.
Ani: Vou indicar o filme do Rodrigo França que foi lançado no final de julho e tá na Netflix: BARBA, CABELO E BIGODE. Filme leve, engraçado, faz a gente sorrir, chorar, se preocupar. É a estreia do Rodrigo como diretor e a maioria do elenco é de pessoas negras - show!
Helen: “QUEM EU SOU", na Netflix, um documentário sobre dois irmãos gêmeos. Um deles perde a memória depois de um acidente e seu irmão fica responsável por contar a histórias deles para o irmão sem lembranças. No entanto, ele resolve contar um passado um tanto diferente da realidade para poupar o irmão das lembranças trágicas da juventude de ambos. Emocionante, prepara o lencinho.
Chorrindo com o relato da Helen!
amei!