FOLGA #10
Que tipo de mãe é você?
Tomar a decisão de ser mãe é também decidir a mãe que queremos ser.
Começa pelo parto - natural ou cesárea? Amamentação de 3 em 3 horas ou livre demanda? Fórmula para complementar ou peito liberado até a criança ser capaz de dizer "mostra as tetas, bitch!". A que esteriliza tudo ou a que libera pra imitar a Peppa na poça de lama? Educação rígida ou neurocompativel? A escola mais competitiva da cidade ou a conveniência da escolinha vizinha?
Só que entre a mãe que queremos ser e a mãe que realmente somos existem mil quebra-molas: grana, o parceiro, a família, a covid, a própria criança e mil conselhos de como fazer diferente.
Não sabemos que tipo de mãe você é, mas inspiradas por um especial do NYTimes que compilou conselhos de leitoras e como boas xereteras que somos, também queremos dizer que tipo de mãe você deveria ser:
Seja a mãe que sabe que tudo é temporário. Ele não está comendo - por enquanto. Ele não dorme à noite - por enquanto. Eles mudam sempre e muito rápido.
Seja a mãe que quer dar o melhor pros filhos, mas que sabe que muitas vezes eles não precisam de nada disso.
Seja a mãe sem culpa. Trabalha muito e brinca pouco? Dar um teto e comida também é maternar.
Seja a mãe que bebe muita água. Não ajuda na maternidade, mas estar hidratada é sempre melhor que não estar.
Mas há um conselho em urdu que diz "Suno sab ki, karo apni": ouça todo mundo, mas faça o que você quiser.
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Mãe-Mr. Bean
Por Helen Ramos
Se minha maternidade fosse um filme o gênero seria dramédia (comédia com tragédia). Se fosse série poderia ser um episódio de Seinfield feat Friends interpretado por Julia Dreyfus ou Tina Fey, e quem sabe na versão Brasileira a Miá Melo ou a Dani Calabreza.
O tipo de mãe que sou é uma grande mistura: tem molho de macarrão esturricado, dever de casa feito na xérox do livro didático do coleguinha (porque o dele nunca chegou), busca pelo almoço self service mais barato da zona oeste, filho indo pra escola com uma camiseta que ficou minúscula e ele insiste em usar ou com uma minha XG cheia de palavrões em inglês que deixa ele parecendo um espantalho, é a gente assistindo filme juntinho, sou eu também indo benzer/rezar em cima do menino depois que ele já dormiu, é ele grudento igual macaquinho, sou eu colada nele e ele pedindo pra afastar por causa do calor. É dever de casa sem paciência , ou também com risadas, é muito papo reto de uma mãe sinceriáries e também muito drama de um filho aquariano. É pau quebrando no salgado, é Stranger Things com Minha Mãe é Uma Peça.
E apesar de viver episódios leves e cômicos nesse papel nada ficcional de ser mãe do Caê, existem episódios que deveriam vir com aqueles alertas no início: "atenção: esse episódio contém gatilhos para pessoas que sofrem de ansiedade, pânico e angústia.
Fico até pensando se sou honesta o suficiente como escritora aqui no Folga, já que não exponho tanto as dificuldades que vivo com ele (acreditem as que falo são só 10% do rolê). Poxa, mas logo eu que levanto a bandeira da desromantização? Pois é, mas há algum tempo me dei conta de que meu filho é um indivíduo e não escolhe que as partes difíceis da existência dele sejam expostas por aí.
O que posso dar de spoiler para vocês sobre esses episódios não lançados de : Hel Mother parte 2, o Inimigo agora é Outro (ou sempre foi o mesmo) , é que eu sou uma mãe exausta, estressada, campenga, fudida. Sim um palavrão precisa ser dito porque ptqp@#$ viu?
O motivo dessa exaustão a maioria já sabe: mãe solo que chama, né? E, sim, é possível ser mãe solo mesmo com um pai existindo, mesmo com um pai pagando pensão, mesmo com um pai passando fins de semana alternados e buscando na escola. As camadas de se criar uma pessoa são muito mais profundas e maiores que esses itens.
A maternidade solo atravessa todos os campos da vida de uma mulher. As amizades, as relações amorosas, o trabalho, o sono, a alimentação. Todos.
Eu sou uma mãe que não consegue terminar tarefas básicas de casa, de saúde, de beleza, e de trabalho, porque preciso ser uma equilibrista do Cirque de Soleil mesmo tendo medo de altura. E quando falava isso num job, uma ex-chefe comentava: “ué, contrata uma babá”. Que simples parecia para ela, ou que simples parece para quem vê de fora, para não existir mães solo contrate babás, que provavelmente são mães solo ou filhas de uma. Contrataria uma babá sem problemas, caso eu pudesse pagá-la de forma justa. Inclusive na época de ele bebê quem me salvou a vida foi Kátia e Patrícia.
Todos os dias preciso ter vontade, força e carisma para trabalhar mesmo lidando com traumas, com dores e com problemas catastróficos que a maternidade solo traz para a vida de uma mulher. Os danos à saúde física e mental são enormes.
É triste, é pesado e ainda algumas de vocês podem achar um pouco de exagero essa sofrência toda.
Além de ser mulher que não consegue, mas que insiste ferozmente em fazer o mínimo por mim, eu também sou:
Motorista de filho;
Ajuda universitária de dever de casa de filho;
Cozinheira de filho;
Economista de lar;
Gerente de casa;
Leitora de livro com filho;
Educadora com skills de disciplina positiva;
Fomentadora do audiovisual da Pixar e da Disney;
E por último e não menos importante: personal creator de pais que fazem o mínimo e têm a autoestima de quem acha que arrasa.
No meio desse tipo de mãe que sou, uma mãe massa que troca ideia, mas também uma mãe que tenta semanalmente encontrar a paciência, tem uma mulher que precisa trabalhar para se sustentar e pagar os financiamentos dela, namorar, ter amizades, ter diversão, ter saúde, ter a possibilidade de dormir, de se alimentar, de deixar uma casa habitável. A conta não fecha no fim do dia, nem da semana, nem do mês. Hoje, por exemplo, já são 21:30 e eu estou sem sutiã, de camisetão velho, shorts da academia que não fui, com o mesmo cabelo que eu acordei, ajudando no dever de casa enquanto escrevo aqui.
Às vezes, quando encontro amigas mães que dividem a criação dos filhos com o pai ou outra mãe, e ou também com muitos familiares, eu volto para a casa com a cabeça em Marte, imaginando que tipo de mãe eu seria se não fosse uma mãe solo. Imaginar isso infelizmente há nove anos é pura ficção.
Maternar o Caê é uma montanha russa e eu sou o Mister Bean perdido nessa parque de diversões. Ou seja: no fim das contas eu sou uma mãe cansada, mas faço muita palhaçada para aliviar.
Você é uma mãe-helicóptero ou uma mãe-desastre?
Por Carol Pires
Que tipo de mãe eu sou? Definitivamente não a que eu pensava que seria.
Quando eu estava grávida, uma amiga perguntou como eu queria que a Eva fosse. Respondi que "saudável e genial". Mas agreguei que também fosse linda - "por misericórdia, Deus". Ah, e também "carismática porque às vezes só a genialidade não é o suficiente pra te fazer brilhar".
"Só isso?", minha amiga retrucou, irônica.
Realmente era muito a se pedir, mas não impossível se somássemos as qualidades que eu via em mim e no pai dela. E eu sempre acreditei muito no poder do meu pensamento. Além disso, essa equação combinava com o tipo de mãe que eu queria ser: confiante na independência da criança, relaxada com rotina e muito presente nas brincadeiras.
O universo me ouviu! A Eva é belíssima e tem o cabelo de criança mais bonito do recreio, numa cor que a L'Oreal sempre quis ter no catálogo mas nunca conseguiu chegar ao tom exato. A bicha ainda é carismática e fotogênica, que é pra essa maravilhosidade sair impressa nas fotos. E além de muito esperta, ela tem um humor meio sacana que eu acho inteligentíssimo.
Às vezes lembro da pergunta da minha amiga e penso que faltou desejar que ela não viesse com autismo. Eu nem pensava nisso como possibilidade. Mas é aquilo: se você não quer um filho com deficiência, não tenha filhos porque isso está fora do seu controle. O filho vem do jeito que vem. É uma loteria cósmica.
Apesar de a Eva ter vindo como eu disse queria, eu não pude ser a mãe que eu imaginava. Ela é super independente e aventureira, mas também não tem muita noção de perigo. Logo, preciso estar alerta às ideias dela tempo todo porque já daria pra montá-las num tumblr www.sóideiaruim.com.
Ela também precisa de rotina para não sair dos trilhos: comer no mesmo horário, tomar os remédios no mesmo horário, saber qual será a próxima atividade, dormir no mesmo horário - tudo o que pra mim sempre foi o mais difícil. E aí, quando a gente termina o dia, tudo o que eu não quero é brincar. Porque estou exausta e muitas vezes só triste. Já nos dias que chego em casa doida pra brincar, também não consigo muito porque ela foge de interação e prefere brincar sozinha.
Se não sou a mãe que eu queria, que mãe eu sou? Na falta de tempo pra ir à terapia, decidi fazer um desses testes online: "que tipo de mãe é você?".
A primeira pergunta era "o que você levaria para um encontro de pais na escola?" As opções iam de "um bolo comprado na padaria que eu fingiria ser meu" a "um prato de família que eu começaria a preparar um dia antes".
Essa pergunta me fez lembrar de um dia que cheguei na escola pra deixar a Eva e quando abri a porta da sala todos os outros pais estavam sentados nas micro-mesinhas recortando um papel com a tesoura. "Puta que pariu, reunião de pais com atividades! Nem fudendo eu fico aqui", pensei, enquanto caminhava pra trás, tentando dar rewind na minha entrada, como se ninguém tivesse me visto. Fechei a porta e ainda ouvi a risada lá dentro antes de eu fugir em disparada. Ou seja: muito provavelmente eu não vou ao encontro de pais.
A próxima pergunta era "o que você leva para o clube quando leva as crianças para nadar?". Toalha e protetor? Toalha protetor, brinquedos e lanches? Toalha, protetor, brinquedos, lanches, e um salva-vidas particular? Tentando pensar na resposta, lembrei do dia que levei a Eva sem sapato pra escola. Ou o dia em que estacionei na escola para deixá-la e quando olhei pra trás tinha esquecido a própria Eva na terapia.
Nenhuma das perguntas tinha opções de resposta condizente com algo que eu faria porque a Eva é única e eu sou a única mãe da Eva. O que acho que significa que não me encaixei nas possibilidades do teste - não sou uma "mãe-helicóptero" mas tampouco uma "mãe-desastre", como anunciava o título.
Eu sou a mãe que gosta de vestir a filha com roupas mais bonitas e descoladas. E também a que não se importa que ela mergulhe na lama com essas mesmas roupas. Sou a mãe que pra conseguir ter paciência infinita com a criança, anda descuidada e acima do peso. Sou a mãe que no fim do dia se acalma porque apesar dos perrengues tem a filha mais alegre que eu conheço.
Não sou a mãe que eu queria ser, mas sou a mãe possível. E, hoje, ser a mãe possível é tudo o que eu quero ser.
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Convidada da edição
Chocolate 80% cacau
Por Giulia Martini (@eugiuliamartini)
Quando recebi o tema da newsletter “Que tipo de mãe é você?” respondi internamente com “Desesperada”. Ponto. Não foi uma resposta dramática, foi uma constatação crua e seca. Eu sou uma mãe desesperada.
Lembro que no hospital eu sentia o trabalho de parto se alastrar por horas e horas dolorosas, mesmo com analgesia, até porque analgesia bem feita não faz milagre, e porque eu temia não conseguir amar minha filha. Sendo que, ao mesmo tempo, chorava por medo de que ela tivesse uma vida minimamente parecida com a minha. Minha amiga psicóloga, numa tentativa de me acalmar, o que na época funcionou, me disse que essa preocupação já era uma demonstração de amor.
Entende que o que revela o amor é a preocupação?
E é assim que me descubro (Me tornei? Me reconheço?) uma mãe desesperada.
Eu li Winnicott, estive nas lives da Maya Eigenmann, comprei enxoval de fralda de pano, acompanho as reflexões da Elisama Santos, estudo comunicação não-violenta, me especializo em consentimento, sou educadora sexual, fiz BLW e faço cama compartilhada segura. Serena tem 15 meses e tem APLV, o que me priva de comer lácteos (leia-se: CHOCOLATE). Nunca pegou numa mamadeira ou chupeta, tem mama em livre demanda, está com o calendário vacinal completo. Cuidei dela integralmente pelo seu primeiro ano de vida, no qual ela não viu tela, e hoje vê três vídeos do Mundo Bita com supervisão.
Pronto, uma mãe desesperada.
Logo quando Serena nasceu minha mãe me disse “eu sei que você quer fazer o melhor pra ela, mas você não tá parecendo você”. E não estava mesmo. Essa trava do melhor pra minha filha muitas vezes me distancia da chance de estar aqui, com ela. O que é de novo uma expectativa alta sobre nossa relação. Mãe desesperada.
Essa compulsão pela eficácia de ser “a melhor mãe” faz parte de tentar suprimir um luto que aconteceu na minha vida.
Serena é uma escolha, a escolha possível de se fazer num país que criminaliza o aborto, mas ainda assim uma escolha.
Eu sabia que abortar era uma possibilidade, porém optei por seguir com a gravidez.
Pensei: sigo gestando e coloco para adoção. Mas no fim escolhi me tornar mãe.
Eu não sabia que demandaria tanto, que eu sofreria tanto por ser mãe solo, que o genitor de 'príncipe' passaria a 'gênio do mal', que meus amigos se afastariam, que para poder construir minimamente a vida que quero pra gente, eu passaria a quase não dormir.
E a sentir fisicamente o impacto de tudo isso, inclusive com uma contratura monstra na coluna, chorando de cansaço dia sim e outro dia também.
Consigo escrever esse texto porque hoje é o primeiro dia em que ela ficará integral na escola.
E eu só tomei a decisão de colocá-la no integral porque beirei a violência com ela. Aí entendi que eu estou sendo uma mãe pior insistindo em fazer tudo até a exaustão, sem olhar para as minhas necessidades.
E é necessidade, não é luxo, não. É só poder fazer uma coisa por vez, trabalhar em uma coisa por vez sem supervisionar um bebê, comer com tempo, cagar de porta fechada, poder trabalhar para melhorar nossa vida financeira.
Tenho rede de apoio? Tenho.
É suficiente? Não.
E ando um tanto cansada da humilhação que é pedir ajuda em meio ao desespero, e receber silêncio e ausência.
Sou uma mãe desesperada, talvez seja por conta de ser uma mulher desesperada. Uma mulher desesperada por tempo, por silêncio, por espaço pra ser alguma coisa além de mãe.
Cartas da Paula
Eu sou um mãe relapsa, com um quê de inconsequente. E o pior de tudo é que não sinto culpa. Ou seria isso o melhor de tudo? Minha filha vai à escola com blusinhas manchadas porque fracasso em tirar manchas. O nariz dela nem sempre está limpo porque ela faz um escândalo pra limpar e poupo nossa vida desses momentos. Ela usa roupa de dois anos ainda e falta um mês para fazer cinco. Mas fica bonitinha, justinha, faz um estilo. Eu sou uma mãe um pouco inconsequente mesmo. Abro um pacote de bolacha meia hora antes do almoço porque eu tô afim. Talvez ela coma pouco no almoço por causa disso, mas fomos felizes um pouco antes comendo as bolachas. A maternidade me fez questionar se de fato sou um ser humano produtivo, decente e responsável. Me questiono todos os dias. Mas daí percebo que enquanto me pergunto, na verdade, eu deveria estar preparando o almoço. então é melhor let it go, let it go.
Assinado, Paula.
Oi Paula, acho que essa vai ser a resposta mais rápida que a newsletter já deu a uma Paula: mulher, arrasou! E, se der, passa pra gente essa receitinha da culpa zero, porque seguimos acreditando que o grande segredo tá aí. Por aqui, continuamos na análise pra quem sabe um dia atingir essa meta de não ver mais nem a sombra desta maldita culpa.
Talvez você não tenha tempo, mas fica aí a dica
Carol: Sabia que antes da Constituição de 1988, se o seu marido achasse que você não estava cuidando direito de casa por falta de tempo, ele pedia sua demissão na empresa? Fiquei sabendo disso no podcast Jogo de Cartas, da Rádio Novelo + Deezer, que investiga a participação feminina na Constituição de 1988 que garantia que nós, mulheres, tivessemos a igualdade de gênero garantida na Constituição. A apresentação é de Beatriz Della Costa, cientista social e co-fundadora do Instituto Update, em parceria com a jornalista Vitória Régia da Silva.
Helen: O perfil https://www.instagram.com/pretaletrada/
A Camila é uma mulher preta, que com sua forma original, interessante e inteligente cria um conteúdo genial sobre pretitudes. Sou apaixonada por tudo que ela traz sobre cultura, literatura, música e tudo mais.
Giu: Recentemente terminei o livro Por que as Mulheres Têm Melhor Sexo sob o Socialismo e Outros Argumentos a Favor da Independência Econômica, da Kristen Ghodsee. O livro é uma análise comparativa da vida sexual sob o socialismo de Estado no Leste Europeu e o Capitalismo no mesmo continente. Uma obra coerente e ponderada, que elenca os fatores positivos e negativos dos dois sistemas de maneira didática. Como terapeuta sexual, reconheço o impacto da constituição socioeconômica em nossa sexualidade, e esse é o primeiro texto comparativo que vejo sobre o assunto. Kristen nos faz pensar em um mundo possível, onde as relações igualitárias no sexo perpassam, necessariamente, a independência financeira feminina, a revisão das políticas de cuidado e o acesso das mulheres às esferas de poder político.
tocou bem aqui dentro. obrigada. voces são maravilhosas.